domingo, 20 de setembro de 2009

filho da Cracolândia



Osvaldo Miro Persona tinha um nome legal, mas não sabia de onde vinha, ou quem eram seus pais, também não se lembrava como foi parar naquele bairro, que funcionava mais à noite que de dia, quando chegou ali se recorda apenas, que foi num dia de chuva e havia se molhado muito, mas já tinha se passado bastante tempo desde aquele dia, nem sabia quantos dias haviam se passado, mas sabe que foram muitos. O pessoal do “resgate da rua” vem três vezes por mês avaliar a situação dos moradores de rua que freqüentam a casa vida feliz, que tem entre outras atribuições, o trabalho de identificação, triagem e a reintegração do morador de rua à sociedade, através de um programa humanitário onde são buscadas informações concretas do histórico de vida das pessoas que se encontram perambulando. É feita uma minuciosa avaliação clinica e o conseqüente encaminhamento as especialidades de tratamento das moléstias que tais pessoas possam estar sofrendo, mas para estar no programa não pode deixar de comparecer as visitas de praxe, participar de oficinas, assistir pelo menos a uma palestra mensal, para ter direito ao abrigo, vagas de trabalho e as viagens sorteadas aos vários mundos que o ser de rua não conhece ou abriu mão deles. Os voluntários que saem em grupos de no mínimo quatro pessoas, no começo eram atacados pelos pedintes, trombadinha e catadores de papelão, que os viam como inimigos, devido à cor da roupa, um azul sisudo que virou aquele laranja pálido que era justamente para ser um diferencial positivo e serem identificados no meio da massa, funcionou mas só depois que alguém teve a brilhante idéia de ir a campo e nas entrevistas constatar essa população com uma carência tão grande demonstrou mais acessibilidade do que se podia supor. Foi mudada a estratégia nas abordagens, alcançando, porém efeito desejado. A partir daí se pode conhecer melhor esses habitantes das metrópoles sob um ângulo nunca analisado e isso, no tempo em que saudosistas, chamavam à época de ouro paulistana. Com aquela ruptura dos elos da sociedade no crescimento desordenado que ninguém previu com responsabilidade Os problemas estavam em encaminhar famílias inteiras de migrantes que chegavam todos os dias e escorriam aos milhares por ano, de ônibus das regiões mais desfavorecidas desse país, era claro e direto o tipo de conceito que deveria ser aplicado a esses seres, mas foi para isso que surgiu essa organização, do anseio de seus fundadores, após terem sido vitimadas de uma forma ou de outra por quem não deveria estar ali naquele momento, mas que infelizmente, por essas ironias de pátria rica igualdade para todos, viviam à margem de tudo, literalmente. E um dos casos mais famosos era o do psicopata sem nome, que numa daquelas entrevistas rotineira que se fazia aos cadastrados no programa e a pessoa do pseudo-senhor Osvaldo Miro Persona que mais tarde descobriu-se tratar de um andarilho assassinado há quase uma década por causa de um par de sapatos novos que o dono do nome guardava com zelo.

__O dia tinha sido espetacular, uma carteira cheia de dinheiro estrangeiro, um relógio que brilhava muito e parecia de ouro, duas correntinhas e um envelope que tirei daquela velhinha quando saiu do banco, mas eu nem abri, vocês chegaram logo em seguida, não deu tempo, não deu tempo.

__Os laranjinha vieru pelo beco mas eu consegui me esconder debaixo daquele monte de papelão atrás da caçamba que dava pra Mauá, mas vocês chegaram antes que eu pudesse voltar pra palestra.

__Não senhor, não senhor, isso aí não foi eu qui fiz não, eu tava perto e tudo mas não foi eu não. Eu tava na missa da sete horas no domingo, o padre Antonio pode dizer isso também, depois tomei café junto com o padre, tinha mais um montão de pessoa lá também, eu quero deixar claro que não to sabendo de nada, se me perguntarem sobre a morte da puta, a Leléca, mais quem atirô nela foi aquele traficantezinho o Largato, o que eu fiz mesmo foi ter dado uma facada naquela tia que num queria largar a bolsa na entrada do metrô.

__No metrô luz.

__Eu sonhei que eu tava andando na Sé quando um cara gritou pra mim, aí eu me assustei e acertei ele também, ficou lá caído, sangrando, coitado.

__E eu sonhei isso de madrugada, tava escurinho ainda. Ele vinha andando na minha direção, e eu sai detrais do arbusto e acertei a faca nas costela dele.

__Não senhor, eu só ando sozinho, gosto que ninguém veja essas coisa não.

__Não escuto vóiz nenhuma, me vontade ai eu vou lá e espeto minha naifa na barriga dessas pessoa, mais eu sinto qui elas já tão sabeno qui vão mi incontrá, ai ce já viu como é, eu vô lá e incontro elas, porque tá no distino delas mi incontrar.

__Claro qui mi lembro senhor, posso contar tudinho pro senhor, eu vou quere um X salada bem grande mais sem queijo.

__Tá bom, tá bom eu aguardo, dotô, isso, pode ce coca memo.

Passa-se o tempo vem e vai geração após geração e o que é gerado é extremamente perigoso para o convívio da metrópole se ficar abandonado pelos cantos maquinando tretas que violam gravemente e botam a vida naquele patamar de não valer coisa nenhuma e acabar por acostumar-se a esses desvios de conduta, individual, prejudicando de forma grotesca o transcorrer natural da coletividade, esse foi achado pelo resgate, mas e sobre os outros que estão sob as marquises será que podíamos dizer que estaremos tranqüilos a andar pela rua depois de encontrarmos esse homem de aparência frágil, e fruto de uma etnia macabra e que graças ao olimpo, com poucos exemplares espalhados pela fauna a estampar todas as manchetes de jornais da época.

__Dotô, esses infermero do senhor são gente boa, me deixaram toma duas latinha di refri, e meu lanche veio sem queijo dessa veiz.

__Quando é que a gente vai fala daquelas paradas outra veiz?

__Tá ligado que eu sô firmeza né dotô, como o senhor fala ai eu vô colaborar cum seis ae!

__Tem mais uma pá de idea pra te dá dotô!

__Tranqüilo dotô, eu ispero até amanhã, eu to seno bem tratado pelos infermeros, eles me dão remédio todo dia di noiti, é o senhor qui manda aqui né?

__Num vejo a hora di come tudo aquilo di novo amanhã di manhã!

__Aí dotô vai pela sombra hein, tá cheio di loco nessas ruas aí.

2 comentários:

  1. Opa!
    Gostei da simetria do texto, muito bem escrito, uma bela crônica.
    Obrigado pelo comentário, sim me recordo do Diniz, trocamos algumas idéias sobre textos rapidamente, ainda tenho que verificar o blog que ele me passou! Abraços e vamos trocar mais informações!

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  2. Trata- se de um capitulo de "Universo Particular", algo assim meio solto que não condiz com nada e embora possa parecer bobinho é de suma importância para o desenvolvimento da trama, espero que um dia possa lê-lo.

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