quarta-feira, 28 de abril de 2010

Desequilíbrio do descalabro


O caminhar débil denunciava certo desprezo para com o resto da humanidade. Decerto, sem a noção que o abstrai, tampouco captava a inutilidade existencial que o levara até ali. Há muito, a vida tinha lhe fugido ao controle, primeiro eram aquelas vozes que ditavam o que fazer, não ligava, era besteira, onde já se viu? Depois eram aqueles períodos intermináveis de completo esquecimento. Brancos enormes que duravam dias, nem sequer lembrava onde morava. Caminhava, tinha bolhas na sola dos pés que ardiam deixando-o mais irritante que o habitual, inescrupulosamente entorpecido pela circunstância esbravejava maldizendo aquelas solas fracas que trazia. A vastidão azul daquele céu com nuvens brancas desfilando no horizonte distante complementava o cenário entrecortado por uma encosta de um negrume escuso pelo por do sol já em voga. O passo com aquela ginga já característica insinuava uma afronta iminente, onde alheios, podiam supor mil facetas de um desequilíbrio latente e porque não dizer; certa enfermidade mental, nunca diagnosticada. O olhar circunspeto que lembrava o de um peixe ainda dentro d’água com a diferença de onde e para onde as bolas pretas miravam. Fitava o tudo, o nada. Era tudo muito confuso dentro de si e em seu incômodo. À sua frente, o infinito, seus contornos vagos, era como um pano de boca, preste a descortinar à hora do espetáculo. Pensamentos desconexos faziam-no urrar pelos tubos na irregularidade de seu corpo e sua alma já aleijada só um desejo consciente, algo que se fixou aos tecidos cerebrais, onde estaria a última curva? Na beira da estrada avista uma bica, onde algumas senhoras enchem latas e carregam na cabeça, atravessam a rodovia e embrenham-se numa trilha do outro lado de uma estrada paralela. Quando todas as pessoas vão embora resolve tomar um banho e passa a despir-se sem receios, fazia dias que não tomava um bom banho, nem se lembrava mais. O céu azul-turquesa torna-se rubro num matiz prateado de uma lua já despontando no lado oposto à bica, malditos flashes, precisava colocar a roupa, mas tinha de deixar a água escorrer, senão teria frio e isso não era bom. O pano de boca cai, suas luzes e seu brilho pareciam pisca induzidos por alguma espécie de comando. Põe suas vestes e encaminha-se calmamente com suas bolhas a lhe incomodar, ouve vozes com tanta clareza que resolveu tratá-las como de almas cansadas, perdidas, ele sabia onde elas estavam. Sente uma repulsa que insatisfeita transborda como lágrimas a brotar dos olhos, mas na forma de um liquido espesso, fétido e podre, parecia vir das bolhas, malditas bolhas! A indiferença era uma constante e, pervertida, se sobrepunha ao cansaço. Sua trajetória levava-o no inevitável ir. Assim vivia seu desprendimento que ofuscava seus planos, irregulares. Com o andar vacilante, indo pé ante pé pelas estreitas veredas d’uma existência quase inútil dentro das possibilidades absurdamente prováveis. O improvável era todo o asco que sentia pelos seus semelhantes, uma vez que até o ato da comunicação ficou comprometido, porque os demais não conseguiam acompanhar seu desfiar de conjeturas banais de jeito tão apaixonado que ninguém merecia saber como ele funcionava ninguém. “Era de berço” como dizia, algo que não se pode mudar estava incrustado em si, estuporado vagava por ai com um ódio mórbido de quem se odeia com plena consciência do espaço ocupado dentro de um convívio desprovido dos paralelismos na sua idiotia. O fim de tarde e o início da noite trás aquela aura lúgubre de todos os fins de tardes e inícios de noites que antecedeu aquele que por certo ainda iria adiante. Lê um artigo de um caderno de economia, jogado dobrado por alguém que não dominava nem o básico naquilo, mas ele manjava alto, finanças, investimentos, cotação de moeda estrangeira mentalmente ia pormenorizando de “a” a “z” o mercado de capitais. E esbravejava em voz alta: “como é que não entendem de coisas tão simples?” Ignora completamente o quão estava dolorida aquela caminhada, seus pensamentos são melhores não o torturam como a dor física que muito fê-lo parar para massagear os calcanhares e as solas ardidas. Absorto, caminha tomada por uma manchete de escândalo financeiro num país asiático em que o culpado fora condenado à morte. – “Aquilo era papel de gente?” Sentencia. A estrada vai se transformando em uma grande avenida bastante iluminada e com muitos carros indo e vindo, era a efervescência da metrópole em seu grau máximo, um… Pronto, estava em casa novamente, aquele era o seu lugar só não conseguia lembrar-se de nenhum endereço. “Ah! Pra Quê? Essa cidade é minha.” Vai pelo canto da calçada pela grande avenida que o leva a região central do lugar. Vê verde de uma bela praça que para não fugir ao que fora estabelecido sei lá por quem quer que seja e que pactue de tamanhos descalabros, palavra estranha que contrasta com algumas árvores frondosas, circundando a praça um pequeno comércio com suas marquises terminando no pé de um viaduto que se elevava para o centro, encontra um cantinho mais escuro debaixo de uma delas e resolve dar uma descansada. No momento sua mente não se ocupa com nada e, tomado por todo cansaço daquele dia pega no sono sobre uma caixa de papelão desmontada como cama e seu caderno de economia como travesseiro. Sob as estrelas daquela noite sombria sonha que alguns jovens rapazinhos, aqueles que riem de si quando está a falar sozinho, estão batendo em seus córneos com pedaços de caibros, sente um liquido quente a escorrer pela face já suja das horas distante do banho. Era só um sonho, pois havia tomado banho e volta a dormir novamente, teria outros sonhos para não acordar jamais.

01/03

Dedicatória: aos meus poucos amigos e leitores do saite

Publicado em 02/01/2010 14:47:53 - 397 leituras




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